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Fernando pessoa por uma moeda

Num trapo de papel, duas linhas apenas, que a fome não permite mais

Uma letra rebuscada, tinta da cor de dor, desenhada a luto pelos dias que viveu

O ainda branco dos dentes não engana, nem a forma de se abeirar

- Um bom dia

(Sem servilismos ou falsas lágrimas)

- Um bom dia, desculpe se incomodo

(Os ombros não vergam. A cabeça não baixa)

Nos olhos que realçam a pele árida e tisnada não há humilhação, nem humildade.

É um vendedor orgulhoso do produto: -Troco duas linhas de Fernando Pessoa por uma moeda. São umas coisas que me lembro de escrever e recortar assim

Que não tenho moedas - de verdade

(olha-me com um riso nos olhos)

Que venha amanhã que lhe compro umas poucas - de verdade

Gravo a imagem do papel amarelado na mente.

Papiro

Uma letra rebuscada, já o disse?

Um cuidado extremo nos trapos de papel cortados iguais.

Que palavras teria escolhido?

O que se lembraria ainda, senão sempre?

Que moedas lhe valeriam a memória?

E à fome, quantas a matariam?

Espero pelo amanhãs

Eu, por trapos de papel com letras de Pessoa

Ele, por pedaços de metal com números vis.




 
 
 

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